segunda-feira, 12 de abril de 2010

Rompendo Fronteiras na Educação

De acordo com o artigo 5º da Constituição federal de 1988, todas as pessoas são, ou deveriam ser consideradas iguais perante a lei. Entendemos que a palavra “todas” se refere realmente a todas as pessoas, independente de seu gênero, idade ou orientação sexual. É óbvio que qualquer movimento que quer assegurar os direitos sexuais, ou melhor, os direitos humanos, se engajem na luta pelo direito de expressar e exercer o afeto e a sexualidade, tanto no público como no privado, sendo a pessoa homossexual ou heterossexual, mulher ou homem e sendo ela idosa ou adolescente.O enfoque necessário do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) às discussões acerca da realidade de crianças e adolescentes deve acontecer através da afirmação de seus direitos sociais e sexuais. No Brasil, embora haja um movimento organizado boa parte da população nutre alguma forma de preconceito ou discriminação contra pessoas LGBT, e há anos não conseguimos aprovar uma lei que puna a homofobia ou que minimamente reconheça como entidade familiar aquelas famílias constituídas através da afetividade entre pessoas do mesmo sexo. A sexualidade é aprendida e construída ao longo de toda a nossa vida, de vários modos e por diversos sujeitos que incorporam múltiplas identidades como a classe, a raça, e o gênero sexual orientados dentro do contexto sócio-culturais.As identidades sexuais fazem parte de uma conjuntura de construções sociais que tem como característica experimentar os prazeres e os desejos corporais, que pode ser tanto com parceiros do sexo oposto, heterossexuais, quanto parceiros do mesmo sexo, homossexuais, ou até mesmo de ambos os sexos, bissexuais. As muitas formas de disseminar os prazeres sexuais entre ambos os sexos são sugeridas e promovidas socialmente nos dias atuais, e muitas vezes de forma explicita, através da própria mídia televisiva, já que no passado os meios de comunicação não eram tão tecnologicamente avançados.A grande maioria das pessoas, incluídos aí profissionais de educação, percebe o comportamento sexual como algo obscuro, pois, tiveram base da construção da sua sexualidade, os estigmas de uma sociedade preconceituosa.Este comportamento, em parte significativa, é fruto da cultura judaico-cristã, que como sempre foi afirmado que o sexo é exclusivamente destinado à reprodução e aceito apenas dentro do casamento. Essas pessoas não conseguem identificar este fator negativo em suas vidas e muitas vezes solidificam o conceito de relações sexuais como uma coisa vergonhosa. Em 1869 o homossexualismo era caracterizado como um comportamento desviante e anormalidade patológica. No século XX, o termo homossexualidade passou a ser mais aceito fazendo referência a um tipo de orientação sexual que proporcionava às pessoas de viverem a sua sexualidade e seus prazeres sem discriminação e serem taxadas como doentes. Ao relegar a homossexualidade como um perfil de doença, anormal e imprópria, é o mesmo que fazer com que as pessoas que se identificam como homossexuais se escondam e se refugiem no silêncio e sendo assim jovens gays e lésbicas serão reconhecidos como “desviantes” e “indesejados/as”.Ao conceber a identidade heterossexual como normal e natural, nega-se que toda e qualquer identidade (sexual, étnica, de classe ou de gênero) seja uma construção social, que toda identidade esteja sempre em processo, portanto nunca acabada, pronta, ou fixa. Embora tenhamos muito a fazer para combater o preconceito à diversidade sexual existente, cabe destacar que muitos já vêm lutando para contribuir para a superação do preconceito, bem como a luta pelo direito à dignidade e pelo respeito à diferença, que é dessa forma que são nomeados àqueles que não se enquadram na norma imposta pela sociedade.Quando abordamos a questão da educação percebemos que o adolescente ou a criança como um individuo em situação diferenciada de direitos, mas como seres legítimos de direitos é saber que precisam ter respeitados e garantidos o exercício da sexualidade e da afetividade. O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, embora não reconheça essa discussão, nos diz que esses mesmos sujeitos têm direito a opinião e expressão, também o direito a preservação da identidade, autonomia e principalmente o direito ao respeito.A Escola tem importante função no processo de conscientização, orientação e instrumentalização dos corpos da criança e do adolescente. A instituição escolar, ao classificar os sujeitos pela classe social, etnia e sexo, tem historicamente contribuído para reproduzir e hierarquizar as diferenças. Essa tradição deixa à margem aqueles que não estão em conformidade com a norma hegemônica e, desta forma, não contempla a inclusão da diversidade sexual, proposta na atualidade. Esse cenário alerta para o papel da Educação no combate à homofobia, por meio de ações que promovam a construção de uma sociedade justa e equânime e que garantam os direitos humanos, por intermédio da integração das Políticas Públicas citadas aos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) para a Orientação Sexual. Contudo, a escola reflete o panorama de desconhecimento dessas políticas, o que dificulta o reconhecimento da homofobia presente no cotidiano e ressalta o despreparo de educadores para lidar com essa situação (SANTOS; BRUNS, 2000). De acordo com os padrões exigidos pela sociedade, deve-se impedir uma criança do sexo masculino de brincar de boneca, simplesmente pelo fato de existir uma norma social que atribua bonecas ao sexo feminino, é de fato uma violação de direitos. Impedir uma adolescente de namorar outra menina adolescente, só por ser vigente socialmente uma norma que diz que ela deve ser heterossexual e namorar somente meninos adolescentes. Sabemos que também é uma violação de direitos o constante buling por parte dos alunos da escola em que estuda, que é constantemente ignorado e até mesmo reforçado pelos professores, levando o adolescente à dificuldade de aprendizagem e até o abandono dos estudos. O que podemos dizer hoje da adolescente travesti, que mesmo quando consegue terminar seus estudos, fato extremamente raro devido à pressão social que enfrenta, dificilmente arrumará algum tipo de emprego; quando devido à falta de oportunidades, ela quase certamente, entrará na teia da exploração de corpos para o fim de exploração sexual? Um pai, que faz uso do “estupro corretivo” para violentamente provar para a filha que ela deve gostar de homens, se adaptando ao que ele considera correto? E das famílias que não aceitam a identidade do adolescente e o expulsa de casa deixando-o extremamente vulnerável a toda a sorte de violências, inclusive o abuso e a exploração sexual? O que podemos dizer, por exemplo, de uma menina transexual que além de viver um conflito entre sua identidade própria e a identidade social atribuída ao seu sexo de nascimento, entra na puberdade e começa a ver que o seu corpo não se desenvolve como o corpo das outras meninas e recorre ao uso de hormônios e as técnicas de modificação corporal? Sem dúvida imaginamos como ela ficaria feliz e realizada ao ver seus seios se desenvolverem como os de uma menina sem conflitos com o gênero que lhe é atribuído. Sabemos que este inclusive é um direito individual a liberdade, a identidade e a dignidade. Não é muito comum olhar para uma pessoa que se configura como mulher e chamá-la de João o tempo todo, desta forma faz-se necessário que dentro do Ministério da Educação (MEC) exista uma Política que determine a inclusão do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares.Para travestis e transexuais se manterem na escola, mesmo com todo o preconceito sofrido, é o maior desafio do momento. Principalmente porque, sem instrução, fica praticamente impossível garantir um emprego digno e fugir da prostituição, atividade que a maioria destas pessoas acaba exercendo.A exclusão social, o preconceito, a violência e a não inclusão do mercado de trabalho resulta na questão de que as travestis acabem vivendo somente da prostituição, sem que sejam um cidadão por completo.Para conseguir passar em um concurso público, as travestis precisam de boa escolaridade, mas isso é quase impossível obter com o preconceito que sofrem dentro de sala de aula. A maioria não passa da quarta série, tudo isso faz com que a pessoa se sinta um patinho feio e saia da escola, lembrando que a educação é um direito constitucional de todo cidadão e que a travesti paga impostos ao governo como qualquer outra pessoa.De acordo com a coordenadora de Direitos Humanos do Ministério da Educação (MEC), a pasta tem uma demanda muito grande por parte de travestis porque “elas não ficam na escola”. “Aos nove anos começa a aflorar a questão da sexualidade, elas começam a ser maltratadas e a exploração sexual é quase uma trajetória”.A polêmica, envolvendo o uso do banheiro feminino pelas travestis transexuais em escolas públicas é outro problema.Diversos fatores contribuem para esta lacuna na efetiva ação do/as educadores/as: qualificação deficitária; baixa remuneração; sobrecarga de trabalho; silenciamento diante de situações de violência pelo sentimento de incapacidade para a ação, decorrente da repressão sexual e da aceitação acrítica da heteronormatividade compulsória; e pela postura de não alteridade.Dos direitos básicos garantidos pela Constituição, a educação é o mais acessível inclusive por aqueles socialmente marginalizados, o que torna o ambiente escolar importante espaço de promoção da cidadania. A Escola, como espaço primário de educação formal e para além do seu papel, que é da ordem do conhecimento, tem como desafio articular e executar as políticas públicas, discutir e repensar valores culturais e permitir a desconstrução de normas rigidamente estabelecidas.A fim de garantir que esses princípios sejam alcançados, é preciso expandir a abrangência de ações inclusivas, que possibilitem a expressão das diferenças de todas as ordens étnicas, religiosas, de orientação afetivo-sexual, políticas, ideológicas, econômicas e que levem o sujeito a compreendê-las como indispensáveis para sua existência plena, de direitos e de deveres, em sociedade.A percepção da gravidade da situação que é a constante violação dos direitos fundamentais desses indivíduos, como o direito a liberdade, ao respeito e a dignidade, a vida familiar e comunitária, a educação e a profissionalização, não pode ser ignorada pelo movimento LGBT e pelo movimento de crianças e adolescentes. Precisamos de uma grande incidência política para que o Estado garanta a inviolabilidade dos direitos desses indivíduos.Sendo assim cabe a todos os educadores reconhecer que a sexualidade deve ser discutida e não encarada somente como discurso biológico (reprodução), ou seja, temos que admitir e discutir a construção histórica das identidades sexuais de forma a não continuar reforçando as identidades sexuais “normalizadas” pela sociedade. É necessário problematizarmos as diversidades sexuais, promovendo igualdade e garantindo o respeito aos direitos sexuais. Cabe salientar que o preconceito seja ele qual for, não se refere somente à integridade corporal, a ironia, as indiferenças não recebem as mesmas punições que os atos físicos de violência recebem, porém “essas ‘armas’ de repercussão psicológica e emocional são de efeito, tão ou mais profundo, que o das armas que atingem o corpo físico, pois ferem a alma e prejudicam um valor precioso do ser humano: a auto-estima. A sexualidade, as identidades de gênero e as identidades sexuais são questões que precisam ser problematizadas nas escolas, uma vez que o silenciamento das questões sobre a diversidade sexual é uma forma de contribuir para o aumento da homofobia.
Vanilly Borghi(Cabeleireira, Maquiadora, Educadora Social e atual presidente da Associação Grupo Orgulho Liberdade e Dignidade - GOLD)

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