segunda-feira, 16 de novembro de 2009

COMPORTAMENTO


Sábado, 23h, a noite está um tanto fria e o destino se chama avenida Vieira de Carvalho, na Praça da República, centro histórico da cidade de São Paulo e ponto tradicional de encontro entre gays, lésbicas, travestis e transexuais. Também circulam por lá os profissionais do sexo, mais conhecidos como michês e os meninos de rua. Enfim, o centro paulistano abraça a população gay e todo o tipo de gente que decide por lá iniciar e terminar a sua noite, tomar um copo de vinho, encontrar seu par e outras atividades.
Lugar comum dizer que a maioria das pessoas que circulam por lá é jovem, com idades entre 18 e 25 anos. A concentração é maior na esquina da avenida Arouche com a rua Bento Freita, local do lendário clube adolescente Freedom. Mas o destino seria outro: locais de encontro de homens gays que já se encontram na terceira idade, ou como dizem alguns, na melhor idade.
"Sair à noite para mim é normal, me sinto bem em qualquer lugar", diz Juvenal Alves, 65 anos, divorciado, três filhos, enquanto tomava uma cerveja no Caneca de Prata, bar frequentado por homens gays maduros. Com ótimo humor, ele continua a falar sobre as casas ou locais de encontros LGBT. "Hoje essa coisa do local ficou como as bandeiras levantadas pelos militantes: muito fechada. Não gosto de lugares só para gays, pois eu gosto de pessoas, por isso não tenho problema nenhum em ir a qualquer lugar".
Raimundo Migo, 55, natural de Minas Gerais, também uma pessoa alegre e com energia jovem diz que não tem problemas para arrumar par quando sai à noite. Aliás, pelo contrário, "para mim é ótimo, porque na verdade são os jovens que me procuram. É fácil encontrar um par, basta andar na rua que eles começam a mexer comigo", orgulha-se. Conforme as personagens se revelam, alguns mitos se desconstroem. Ao redor do Caneca de Prata aglomeram-se grupos de homens mais velhos, acima dos 40 anos. É certo que muitos preferem não falar com a reportagem, mas sempre muito simpáticos, explicam que são casados e preferem se preservar.
Na mesma noite, a reportagem rumou para outro local de encontro entre coroas gays: a casa noturna ABC Bailão, localizada na rua Marquês de Itu, também no centro histórico de São Paulo. Não poderia tirar fotos e conversar com as pessoas, assim informou o promoter da casa Ivan Santos. "Olha, teve uma vez que veio um cara aqui com câmera e as pessoas não gostaram. O povo aqui é muito reservado", explica.
Ivan tem 52 anos e, além de host do Bailão, também é um amante da noite e fala sobre a criação da casa. "Foi aberta para isso, para o coroa gay. No começo só ia mesmo os homens mais velhos, mas de um tempo pra cá, tem aparecido bastante jovens. Nós da casa gostamos, mas tem alguns caras que não gostam. Temos que tratar a todos bem, pois tem o jovem que vem aqui à procura de homens mais velhos. Há os mais velhos que gostam dos mais jovens e sabem que eles vêm aqui. Agora, até as mulheres estão aparecendo e isso tem gerado polêmica."
No Bailão, as mulheres pagam R$ 40 para entrar e homens acima dos 50 anos pagam R$ 10. Por conta disso, passaram a acusar a direção da boate de preconceituosa. "Estranho chamarem a gente de preconceituosos, tem outras casas que fazem isso. Não é preconceito, a mulher é benvinda, mas paga mais caro."
Ivan Santos conta que frequentou muitas casas noturnas gays e ainda o faz. "Eu fui muito na Corinto, Homo Sapiens e outras". Ainda conversando sobre a noite, pergunto como ele vê a atual cena da cidade. "Hoje é difícil um lugar decente para se dançar. Tudo está diferente, falta respeito nos lugares para o gay. Hoje temos dificuldade para encontrar um lugar legal", lamenta.
Adepto de um bar com espaço ao ar livre, Raimundo diz que não gosta do ambiente das casas noturnas. "Já fui a algumas casas, mas não gosto do som muito alto e do cheiro de cigarro", conta. Juvenal segue no mesmo caminho. "Eu vou às vezes pra conhecer a casa, quando é inaugurada. Mas depois não volto."
Quando questionado sobre a presença dos mais jovens na noite, Juvenal surpreende e diz que a democracia transformou a atual geração em anarquistas puros. "Essa juventude gay não se dá ao respeito. Não acho certo eles andarem de mãos dadas por aí. As crianças não estão preparadas para isso. Também acho que não precisa andar agarrado", opina. E por que, então, os héteros podem? "Ah, mas as pessoas estão acostumadas. Olha, cheguei a São Paulo em 1962 e sempre houve encontro entre gays. Hoje eles estragam tudo. Pode se viver muito bem assim (escondido). Na minha família mesmo tem um monte de viado, mas tudo enrustido", revela.
Opinião similar é de Raimundo. "Sou da ditadura. Acho que o Brasil ficou anárquico. Falta respeito e segurança. Tem um povo jovem que vai além, a juventude gay hoje peca pelo excesso. Mas eles também são incentivados a isso. Pois o que são essas matinês? Tem uma casa aqui na região que faz festas gays domingo à tarde, passe por lá e verá um monte de moleque louco."
Juvenal também acredita que hoje o grande problema na noite para os gays é a falta de segurança. "Nos ano 60/70 nós ficávamos a noite inteira na Praça da República e não acontecia nada. Ninguém era espancado ou assaltado. Hoje não dá mais para namorar lá." Ivan nutre mesma opinião. "Quando estou de folga vou conhecer outras casas e uma coisa que reparo é que não há muita segurança. É tudo muito perigoso."
Talvez algumas pessoas discordem das opiniões ditas por nossos entrevistados, mas, assim como colocou Raimundo, eles são frutos de uma sociedade ultraconservadora e que respirava a ditadura. A vida gay nesse período ainda era clandestina. Podemos entender que muito do pensamento deles está ligado à sociedade dos anos 60/70. De repente, para quem tem 20 e poucos anos, alguns conceitos de família podem soar inverossímeis com o mundo atual. Da mesma forma como para Ivan, Juvenal e Raimundo um sábado à noite na rua Augusta pode ser algo pra lá de subversivo.

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