quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Matéria da revista "A CAPA" de 22 de Outubro




Você leu aqui no A Capa sobre o que aconteceu no domingo (4/10) na cidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Leu também o resumo que nosso site publicou da entrevista do prefeito José Camilo Zito (PSDB/RJ) à revista Época: ele prometeu cancelar, novamente, a Parada do Orgulho LGBT da cidade, marcada para o dia 15 de novembro. Segundo o prefeito, não houve cancelamento simplesmente porque não houve agendamento do evento. Segundo ele, a militância não enviou ofício algum pedindo a realização do evento. Contudo, no jornal da televisão, outro argumento foi usado: a Parada LGBT de Duque de Caxias desagrada as "famílias" e as igrejas evangélicas da cidade. Para mim, está ai a real motivação que levou o prefeito Zito a cancelar a Parada.
"Zito precisa urgente de uma aula sobre a laicidade do Estado", comentou um leitor do A Capa. Tem razão! Além disso, o guarda municipal que virou prefeito da sua cidade precisa entender que ele governa para todos os cidadãos caxienses, entre eles, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais e, por isso mesmo, não deveria fazer isso com a gente que o tirou da Guarda Municipal e o colocou no Gabinete do Poder Executivo Municipal. Ele não foi eleito apenas pelo voto evangélico! Foi eleito pelo povo de Caxias; eu mesmo conheço gays e lésbicas que nele votaram; claro, estão "pra lá" de arrependidos! Sem neuras, o erro também é pedagógico!
O prefeito Zito também deve entender que o que ele fez foi inconstitucional, pois proibiu a liberdade de expressão de cidadãos e cidadãs do Brasil. Deveria se envergonhar por não cumprir a lei maior do nosso país, ao invés de dizer que fará a mesma coisa no dia 15 de novembro! Como ele mesmo disse na entrevista, ele nada tem a ver com a orientação sexual alheia, tem que respeitar. Contudo, tem também que respeitar a lei que o ordena a não cassar de cidadão algum o direito da livre expressão. Quanto às igrejas, homossexual algum, ao menos os que conheço e que residem em Caxias, tentaram proibir, ao arrepio da lei, a liberdade de expressão desses cidadãos crentes quando vão às ruas na "Marcha pra Jesus". Igualdade, minha gente, eis um dos princípios norteadores da nossa lei maior! Sei que estou "chovendo no molhado", mas diante de fatos como esse, é preciso lembrar: leis são feitas para serem cumpridas; quem não as cumpre, está sujeito às penalidades que tais leis prescrevem. Penalidade máxima no prefeito Zito!
À princípio pode parecer que nada tem a ver com o que ocorreu em Caxias e o pastor carioca Silas Malafaia, da Assembleia de Deus da Penha. Realmente, ele lá não estava apoiando o prefeito Zito, pelo menos não o vi! Contudo, assisto, por dever de ofício, o programa "Vitória em Cristo" do pastor Silas Malafaia todos os sábados e posso dizer com certeza: Silas Malafaia tem tudo a ver com o que ocorreu em Caxias!
O pastor Silas está mais de uma década nas manhãs dos canais abertos da TV brasileira. Nesses anos todos, Silas usou várias vezes a sua tribuna televisiva, talvez o programa evangélico mais assistido no Brasil, para falar sobre "homossexualismo" (sic). Não foi diferente no sábado, 10/12/2009. Desde o sábado anterior, Silas divulgou que levaria ao seu programa algo "imperdível, polêmico": a
ex-travesti Joide Miranda.
O pastor Silas concedeu, generosamente, um longo tempo do seu programa a "ex-travesti" para que esta falasse ao Brasil o seu "testemunho de conversão". Todos os clichês sobre a homossexualidade estavam ali na fala do Joide: pai ausente e violento (além de alcoólatra), mãe de forte personalidade, abuso sexual infantil (por um advogado vizinho, aos seis anos de idade), a vida adulta como travesti que usava drogas, roubava e se prostituía em São Paulo, Rio de Janeiro, Roma, Paris, Milão e outras terras europeias, a solidão existencial nas madrugadas quando chegava do trabalho, as intrigas e maldades de um "mundo cão". Teve de tudo: glamour, dinheiro, sexo à rodo, drogas e rock'n'roll. Com as orações da mãe, que se tornara evangélica, depois de uma visita a esta, converteu-se a igreja evangélica, transformou-se, casou (aliás com uma linda mulher) e hoje "está liberto". Corre o mundo com seu testemunho e já deve ter vendido toneladas de DVD sobre a sua vida na intenção de "ganhar outros travestis e gays para Jesus". Declarou: "Ninguém nasce gay. O Diabo é que nos transforma. Jesus nos liberta, é possível".
Os piedosos crentes foram às alturas com o testemunho de Joide, basta ver no seu site os comentários sobre tão glorioso dia. Contudo, Silas Malafaia não dá ponto sem nó, é esperto demais para isso e só ficamos cientes do motivo do tema do programa naquele dia e da presença de Joide Miranda no finalzinho do programa: Silas foi denunciado ao Conselho Federal de Psicologia (ele é psicólogo) e ao Ministério Público pela militância LGBT. Com um exemplar da Constituição Federal do Brasil nas mãos, declarou que primeiro não era doente para ser homofóbico; segundo, que a lei lhe garantia liberdade de expressão e religiosa e que de acordo suas convicções pessoais, formadas pela religião fundamentalista, ele pode dizer o que quer a respeito do "homossexualismo" (sic). Terceiro que os LGBTs estavam tentando criar uma cidadania de "primeira classe" com a tentativa da aprovação do PLC 122 (ele leu alguns artigos do PLC, contudo, ninguém o avisou que os artigos que leu
já foram alterados pelo substitutivo a ser votado) e, por fim, que ninguém, jamais, o calaria! Berrou em tom de ameaça: "Aviso: contratem os melhores advogados, pois eu contratarei os tops, não os chaves de cadeia, pois vou com tudo pra cima de vocês".
As opiniões do pastor Silas Malafaia, reverberadas ao nível do cansaço em seus muitos anos na televisão brasileira, vão muito além do seu direito à liberdade de expressão, pois são ofensivas. Em palestras que podem ser adquiridas em seu site, você pode ouvi-lo declarar coisas como: "se uma prostituta deixa de se prostituir; se um cheirador (sic) de cocaína deixa de cheirar; se um ladrão deixa de roubar; um homossexual pode deixar o homossexualismo (sic)". Ele compara num só fôlego os LGBTs com outros cidadãos marginais, vítimas de uma sociedade injusta e voraz, lançando mais preconceitos sobre esta parcela da sociedade brasileira.
Quem assiste ao programa "Vitória em Cristo" do Pastor Silas Malafaia? As "famílias" de Duque de Caxias, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraíba, Rondônia, Rio Grande do Sul e do Norte e todos os demais estados brasileiros, do Oiapoque ao Chuí! Ou seja, as "famílias" ouvem barbaridades como essas, além de testemunhos como os de Joide Miranda há mais de uma década! Junte a isso o simbolismo forte do título de "pastor" mais a Bíblia Sagrada. O que temos como resultado? A disseminação exponencial do preconceito contra LGBT: homofobia. Silas chama isso de "direito à liberdade de expressão"!
O resultado da disseminação de uma ideologia cristã fundamentalista e homofóbica estão aí, para todos enxergarem: pais que expulsam seus filhos dos lares, intolerância nas escolas em relação aos LGBTs, agressões verbais e físicas contra essa população, assassinatos cruéis, suicídios e... Paradas canceladas com argumentos como os usados por José Camilo Zito. Nós não podemos nos calar mais! Se é isso que Silas Malafaia e sua gente chama de liberdade de expressão, precisam aprender com a lei o que é, realmente, liberdade de expressão no contexto de um Estado de Direito e nem precisamos aqui do PLC 122 aprovado, basta a mesma Constituição que ele tinhas nas mãos!
Outra coisa: canal de televisão, no Brasil, é concessão pública. O Ministério Público tem o dever de fiscalizar o uso dessa concessão. O Pastor Silas Malafaia crê que está dentro da lei para dizer o que diz a respeito dos homossexuais. Contudo, a nossa lei diz que não será tolerado no Brasil nenhum tipo de discriminação! Nenhum! E é só isso que a gente vê e ouve no programa do Pastor Silas quando ele resolve falar dos LGBTs, ainda que o discurso venha encapado de "amor". Amor?! Não, ódio disfarçado de discurso amoroso, mau uso das Escrituras Cristãs numa interpretação literal e fundamentalista; no dia em que as famílias brasileiras não terem mais acesso aos programas de televisão como este, não tenho dúvidas que o preconceito por orientação sexual e gênero, diminuirá muito no nosso país. A civilização agradece!
* Márcio Retamero, 35 anos, é teólogo e historiador, mestre em História Moderna pela UFF/Niterói, RJ. É pastor da Comunidade Betel do Rio de Janeiro - uma Igreja Protestante Reformada e Inclusiva -, desde o ano de 2006. É, também, militante pela inclusão LGBT na Igreja Cristã e pelos Direitos Humanos. Conferencista sobre Teologia, Reforma Protestante, Inquisição, Igreja Inclusiva e Homofobia Cristã. Seu e-mail é:
revretamero@betelrj.com.

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