quarta-feira, 15 de junho de 2011

A Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Espírito Santo (OAB-ES) realizou na última sexta-feira, 10 de junho, um seminário para debater temas relacionados aos direitos homoafetivos, no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo, em Vitória.

O evento teve a participação do coordenador nacional de Promoção de Direitos LGBT da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Gustavo Bernardes. Ele falou das políticas que vêm sendo adotadas pelo governo federal, como a criação do selo \"Brasil Território Livre da Homofobia\" e a realização da 2ª Conferência Nacional de Lésbicas Gays Bissexuais Travestis e Transexuais.
Bernardes citou ainda dados sobre a violência contra os LGBTs no Brasil. Em 2010, 260 pessoas foram assassinadas devido à sua sexualidade. E Disque Denúncia dos Direitos Humanos, o Disque 100, registrou 567 denúncias de homofobia.
O deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) também foi um dos palestrantes do Seminário. O parlamentar se referiu ao Projeto de Lei Complementar 122 (PLC 122), que tramita no Congresso Nacional desde 2006 e também fez referência à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) por ele apresentada que assegura o casamento civil a homossexuais, a despeito da conquista no Supremo Tribunal Federal em 5 de maio deste ano, que assegurou aos casais homoafetivos o direito a união estável.
Após participar do seminário, o deputado federal Jean Wyllys concedeu uma entrevista que você confere agora.


Brunella França – Qual foi a reação imediata dos parlamentares ditos da “bancada evangélica” ou dos conservadores, abarcando assim os religiosos católicos, após a decisão do STF em equiparar as uniões homoafetiva às uniões estáveis?


Jean Wyllys – A reação imediata deles foi ocupar a mídia tradicional e as redes sociais para reclamar dessa decisão do STF, acusando o STF de legislar, de ter feito leis no lugar do Legislativo, ou seja, de usurpar o Poder Legislativo. Claro que era uma reação esperada, uma reação de quem foi derrotado. O STF não usurpou o poder do Legislativo, o STF cumpriu a sua função, que é dispor das normas que existem para fazer valer o princípio constitucional da não discriminação e da defesa da dignidade da pessoa humana.
É lamentável que a bancada evangélica atue no sentido de diminuir, de tirar direitos de populações vulneráveis.


BF – O discurso do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) é uma exceção ou encontra muitos adeptos?


JW – Ele não é uma exceção, ele é uma caricatura de um comportamento muito comum no Congresso Nacional. O discurso do Bolsonaro encontra uma ampla aceitação silenciosa da maioria dos congressistas, senadores e deputados.
Eu costumo dizer que os deputados, por mais que eles tenham divergências políticas no que diz respeito aos direitos trabalhistas, por exemplo, eles se unem quando se trata de tirar direitos de LGBTs ou de negar direitos a LGBTs.
Há uma parcela de aliados sim. Eu diria que o PT (Partido dos Trabalhadores) é a bancada que mais tem deputados aliados, favoráveis à cidadania de mulheres, negros, povos indígenas e homossexuais. Mas a bancada do PT não é a maior bancada, nem eles são a maioria, então os demais têm um discurso muito reacionário e conservador.
A gente consegue localizar nesses outros partidos sim pessoas aliadas, como a deputada Teresa Surita (PMDB-RR), a deputada Carmen Zanotto (PPS-SC), o deputado Danilo Forte
(PMDB-CE), o próprio ACM Neto (DEM-BA) assinou a Frente Parlamentar LGBT pelo menos para fazer existir. Mas tirando essas pessoas que a gente localiza pontualmente, e as que não se manifestam, o restante é contrário. Bolsonaro é uma caricatura desse comportamento.


BF – Por que ainda é tão difícil de os parlamentares brasileiros praticarem a laicidade do Estado e entenderem que os direitos dos homossexuais são direitos humanos?


JW – É uma pergunta que eu me faço. É um pouco incompreensível que a gente tenha fundado uma República Federativa, um Estado Laico Democrático de Direito e que as pessoas atuem no sentido de violar esse Estado de Direito, de abolir esse Estado Democrático de Direito.
Eu acredito que alguns deputados agem por dogmas, são pessoas que querem legislar a partir de dogmas religiosos. Não compreendem sequer o sentido de uma República Federativa. Em parte é por conta dessa ignorância, não há outra palavra, não estou ofendendo, porque ignorância é ausência de conhecimento. E tem quem haja sim por cinismo, querem tirar dividendos eleitorais. Ou seja, eles sabem que falar aos preconceitos e ao senso comum vai garantir votos nas eleições, então, eles trabalham, legislam, nesse sentido de tirar direitos, de violar o Estado Democrático porque eles estão falando para uma população que conserva muitos preconceitos.
O Brasil tem um déficit muito grande em Educação. Os índices da Educação estão aí para mostrar que a população brasileira carece de Educação. O que mais se fala é que o Brasil precisa garantir 10% do PIB (Produto Interno Bruto) para a Educação. E se o Brasil precisa investir em Educação, é porque a população brasileira está alijada de uma Educação de qualidade, que forme espíritos críticos e proteja essas pessoas de discursos demagógicos, de discursos de falsos profetas, de políticos interessados em explorar a boa fé do povo.
É a explicação que eu tenho para dar. Eu quero aproveitar também e dizer que eu citei o PT como um partido que tem muitos aliados, mas o PCdoB também tem muitos aliados. A deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), que é presidenta da Comissão de Direitos Humanos, é uma aliada e uma ativa combatente dos Direitos Humanos. Ela e a deputada Erika Kokay (PT-DF).


BF – Enquanto jornalistas, percebemos que a chamada “grade mídia” ainda reporta com vários equívocos notícias sobre os movimentos LGBT. Ao mesmo tempo, observamos o crescimento do uso da Internet para propagar informações e mobilizar pessoas não apenas LGBTs. Como você analisa esse contexto? Estamos utilizando bem a Internet? O que falta para a “grande mídia” noticiar corretamente notícias que nos envolvam?


JW – Essa grande mídia não é mais grande. Eu prefiro chamá-la hoje de mídia tradicional, de velha mídia. As mídias nativas têm crescido, as redes sociais têm reconfigurado a esfera pública, trazendo múltiplas vozes, permitindo a interatividade, portanto, amadurecendo o processo democrático. Mas se por um lado as novas tecnologias da comunicação e da informação fazem isso, reconfiguram a esfera pública no sentido de torná-la mais democrática, de trazer contra discursos, novas versões, esses redes viraram também expressões da barbárie.
É muito comum no Twitter a gente ver aquele comportamento de estouro de boiada. As pessoas começam a tratar de um assunto sem saber direito do assunto, começam a replicar determinadas notícias sem checar se a notícia é verdadeira ou não. A gente vive surtos de histeria coletiva. As redes também viraram espaço.
Pierre Levy, um filósofo francês que estuda as novas tecnologias, fala que há um dilúvio informacional e que a gente precisa escapar do dilúvio construindo a nossa arca, que vai atravessar esse dilúvio de informação. Gilberto Gil pegou essa ideia e numa canção chamada “Internet” ele diz “é preciso uma jangada, um barco que veleje nesse infomar, nessa infomaré”.
A melhor maneira de usar as redes sociais é construir sua jangada para atravessar essa infomaré. Seguir pessoas que você sabe que têm credibilidade, antes de retuitar, checar se a informação é verdadeira e não entrar nesse surto, nesse estouro de boiada. A mesma coisa vale para o Facebook.
É importante a gente lembrar que o que a gente publica na Internet fica para sempre, a Internet é um arquivo permanente, então aumenta a nossa responsabilidade com a dignidade do outro. Não é tudo sobre as pessoas que eu vou publicar e não é em tudo que está publicado que eu vou acreditar. É preciso que as pessoas tenham esse discernimento básico. E o que eu percebo é que está havendo uma inclusão digital não acompanhada de uma formação do uso dessas novas tecnologias. É um aprendizado que está vindo com o tempo, mas é preciso sempre lembrar isso: nem tudo que está na Internet é verdadeiro a respeito das pessoas, nem a gente pode publicar qualquer coisa sobre as pessoas, porque aquilo ali é para sempre.


BF – Não posso deixar de abordar a polêmica envolvendo o kit anti-homofobia desenvolvido pelo MEC (Ministério da Educação) e vetado pela presidenta Dilma Rousseff (PT). Houve ainda uma fala bastante infeliz da presidenta ao dizer que o Governo não poderia “fazer propaganda de opções sexuais (sic)”. Muito se especulou que o veto ao kit seria uma blindagem ao ex-ministro chefe da Casa Civil, Antonio Palocci. E agora, após a saída de ministro, como fica a questão do Projeto Escola Sem Homofobia?


JW – A presidenta não chegou a vetar o Projeto Escola Sem Homofobia, ela suspendeu. Uma suspensão injustificada, porque o projeto havia sido debatido exaustivamente, apresentado à sociedade em audiência pública; era um projeto que gozava de pareceres favoráveis da Unesco, do Conselho Federal de Psicologia, da UNE, do Conselho de Medicina, ou seja, era um projeto respaldado por entidades da sociedade civil que têm um envolvimento histórico no tratamento das questões de sexualidade e educação.
É uma suspensão injustificada, mas ao mesmo tempo a gente sabe que há uma justificativa para essa suspensão, que não é aquela que a presidenta falou publicamente com uma fala infeliz, que inclusive se referiu à “opção sexual” (sic), quando a gente sabe que não existe “opção sexual” (sic), existe orientação sexual. Ninguém opta por ser homossexual. A gente desenvolve uma sexualidade assim como os heterossexuais desenvolvem a sua.
E o tom meio raivoso também que a presidenta falou que o governo não iria fazer propaganda de “opção sexual” (sic) nenhuma. Ela demonstrou uma profunda insensibilidade em relação à quantidade de mortes que acontecem no Brasil por conta da orientação sexual. São 260 homossexuais mortos no ano passado.
O Projeto Escola Sem Homofobia não é propaganda, ela (a presidenta) sabe disso, o ministro da Educação sabe disso. Não há propaganda de orientação sexual nenhuma, é uma política de erradicação da violência nas escolas.
A presidenta foi infeliz naquela fala, o objetivo era blindar o ministro Palocci sim, e agora que ele caiu, já se fala na volta e na distribuição dos materiais às escolas, porque agora a verdade pode ser dita.


BF – Retomando a decisão histórica do STF em reconhecer a união estável de casais uniões homoafetivos, como fica o empenho e o trabalho do Legislativo a partir dessa decisão que veio do Poder Judiciário? Podemos esperar avanços do Congresso ou ainda não estamos preparados para isso?


JW – Se dependesse de mim, da Frente Parlamentar LGBT e dos deputados aliados, a gente avançaria nessa decisão do STF, que foi importantíssima, a equiparação da união estável homoafetiva à união estável entre pessoas de sexos opostos. Se dependesse de nós, o Congresso avançaria junto com o Judiciário, mas somos minoria hoje. E os deputados conservadores não só não gostaram da decisão como vêm se articulando, numa esperança vã porque não vai ser satisfeita, de sustar essa decisão do STF. Há uma vontade deliberada de negar direitos aos homossexuais.
De qualquer forma, a luta não pode parar e a gente está articulado sim na Frente Parlamentar. Temos uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que está em fase de recolhimento de assinaturas, e que assegura o casamento civil a homossexuais, e nós temos o PL 122 no Senado, que foi desarquivado nessa legislatura pela senadora Marta Suplicy (PT-SP), que é uma pioneira em tratar dos temas LGBTs no Congresso Nacional. É inegável o valor histórico da atuação da senadora Marta Suplicy.
Quero aproveitar também para dizer que, apesar das minhas críticas à postura da presidenta Dilma no episódio do Escola Sem Homofobia, eu ainda confio que a presidenta Dilma, por ser mulher, vá de fato fazer uma defesa intransigente dos Direitos Humanos, como ela vem prometeu.
Nós do Congresso, nós os aliados e defensores da cidadania plena, estamos nos articulando no sentido de votar projetos de leis, fazê-los tramitar, de levantar discussões acerca dos direitos LGBTs.
por Brunella França
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