sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A 15ª edição do Festival de Cinema Judaico – que até o próximo dia 7 de agosto ocupa seis salas de cinema em São Paulo – tem duas produções com foco no público LGBT, entre elas, a comédia americana “Oy Vey! Meu filho é gay!”, dirigida, produzida e escrita pelo cineasta russo (gay e judeu) Evgeny Afineevsky.

A produção já conquistou vários prêmios, entre eles, os de melhor filme segundo o júri popular no Festival de Cinema Judaico de Miami; melhor filme segundo o júri popular no Festival Internacional de Cinema Gay e Lésbico de Milão; melhor filme segundo o júri popular no Festival Internacional de Vídeo e Cinema Independente de Nova York.
No Brasil para participar de debates sobre o seu mais recente trabalho, o diretor Evgeny Afineevsky concedeu uma entrevista exclusiva ao MixBrasil. No papo, ele fala sobre o sucesso do filme, conta como sexualidade e religião influenciam suas obras e diz que os héteros é que precisam sair do armário.


Como surgiu a ideia do filme?
Este texto foi escrito há 27 anos. Meu primeiro contato com ele foi em 2000. Quando o li, pensei “uau, adorei isso!”. Filmes que mostram a saída do armário ou dramas envolvendo gays têm aos montes. Queria fazer um trabalho que tratasse deste tema sob uma perspectiva diferente, sob o ponto de vista dos pais, da família, de outras nacionalidades, como os mais tradicionais lidam com esta temática. E decidi escrever o roteiro para o filme. Levou quatro anos.


É o seu primeiro filme gay?
Não o considero como um filme gay. A ideia é mostrar como as relações étnicas, o envolvimento com a religião e o tradicionalismo das famílias são capazes de influenciar e lidar com os gays. Não quero fazer um filme para gays, mas um filme para todos os públicos, para que cada um veja como às vezes manter conceitos fechados te torna ridículo, ignorante. Você já imaginou um casal heterossexual em que a mulher é brasileira e o homem é asiático ou africano? Ou são de diferentes religiões? Esse tipo de preconceito ainda existe. Quero mostrar que é possível romper com as velhas tradições em nome de um sentimento maior, do amor incondicional.


“Oh Vey! Meu filho é gay!” tem conquistado vários prêmios. A que você credita o sucesso do filme?
O filme apresenta uma série de situações cotidianas. Quem está assistindo, seja gay ou hétero, facilmente vai se identificar. Os héteros precisam sair do armário, e o filme é um convite a isto. O fato de apresentar com entretenimento, de maneira leve e divertida, temas tão delicados que estão sempre aí, em pauta, seja um dos motivos. Estamos falando da luta pela igualdade, a luta para quebrar todos os paradigmas impostos por uma sociedade tradicional. Um dos atores do filme, o italiano Jai Rodriguez, é um exemplo vivo do que estou mostrando. Gay assumido, até hoje ele não é aceito pela família. Isso nos dias de hoje. Conheço vários casais, de diferentes nacionalidades, que os pais não aceitam o relacionamento por conta da sexualidade. Você tem que se aceitar e buscar ser amado pela sua família da maneira como você realmente é.


Você é gay e judeu, dois adjetivos de peso, dependendo do ponto de vista. Como você passa isso para os seus filmes?
Não tento passar a minha vida, mas a vida de várias pessoas para as telas. Seria egoísmo da minha parte mostrar somente minha experiência de vida. Mas é claro que as minhas referências culturais estão lá, as piadas, o restaurante russo, os aspectos da cultura em que vivo. O lado mais pessoal, acredito que não.


Você é russo, trabalhou em Israel e, atualmente, sua vida e sua carreira estão nos Estados Unidos. Como foi trabalhar uma produção com foco no público gay dentro destes três mercados?
A Rússia é um país extremamente homofóbico, a ponto de até hoje não ter conseguido levar às ruas uma Parada Gay. Ainda assim, centenas de pessoas compareceram à estreia do filme lá. Foi fantástico. Alguns críticos até chegaram a dizer que o filme estava tentando promover a homossexualidade, mas muitos dos principais críticos do país elogiaram o filme. Teve um que disse que o filme era como “um copo de água no meio do deserto”, tamanha a sua importância. Em Jerusalém – onde fica o coração da minha religião – o resultado também foi bastante positivo. O filme tem uma mensagem de entendimento e aceitação em que as pessoas são atraídas porque a história está inserida no cotidiano delas, em uma linguagem única, universal, que até os países mais pobres conseguem entender. Não é nada impositivo. As pessoas se sentem convidadas a conhecer essa realidade. Foi assim em Torino, Milão, Montreal, Madri, no Japão, na Alemanha, e em todos os outros países por onde o filme passou. Os americanos também são muito tradicionais, mas fazer um filme com um quê de telenovela, as quais eles já estão acostumados por conta das produções mexicanas, ajudou bastante na aceitação.


O número de filmes gays independentes é muito maior do que aqueles que são feitos no circuito comercial. É possível dizer que hoje, o mercado americano – especialmente Hollywood – está mais receptivo ao cinema gay?
Sim. Mas para que o seu filme dê certo, você precisa saber exatamente que mensagem você quer passar com ele, quais públicos você quer atingir, pensar no futuro do seu projeto. Também é preciso tentar trazer temas únicos, inserir questões multirraciais, sociais, não focar somente no mercado gay. Você não pode limitar o seu trabalho. Filme é uma obra de arte feita para ser consumida pelas pessoas.


É a primeira vez que vem ao Brasil?
Não. Estive aqui em 2003, durante a 27ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, para divulgar o filme “De Volta da Índia”, no qual atuei como produtor. Foi bastante divertido. Desta vez fui a locais que havia visitado antes como o Spot [restaurante frequentado por famosos], o Shopping Frei Caneca. Foi muito bom rever esses lugares. Lembrei de vários momentos. Aproveitei para rever as fotos dessa minha primeira passagem. Muito bom!


O que você conhece do cinema brasileiro?
Putz! É a segunda vez que me fazem essa pergunta. Infelizmente, não sei te dizer. Lá, os filmes são categorizados como latinoamericanos. Podem ser da Argentina, do Peru, do Brasil, não tem essa distinção. Recentemente assisti a um filme incrível, o peruano “Contracorriente”. É muito mais forte que “Brokeback Mountain”.

O que você achou da recente aprovação do casamento gay em Nova York?
Lembra que na Califórnia foi aprovado e pouco tempo depois cancelado? Espero que não se repita. Quanto à aprovação, achei ótimo. É preciso dar oportunidade para as pessoas que se amam estarem juntas oficialmente. Ainda que o importante seja alma e coração, o papel é um recurso importante pois te dá garantias. Possibilita que casais estrangeiros consigam viver juntos, que o parceiro acompanhe o outro em casos de emergência no hospital, entre outros direitos. É um grande acontecimento. Estou muito feliz pelos vários casais que vão poder desfrutar disto. Mas tenho que reconhecer que ainda há um longo caminho a ser percorrido.


Que projetos você está desenvolvendo no momento?
Estou trabalhando na adaptação do filme para que ele se torne seriado. Não tem nada muito definido, mas é provável que a estreia seja no ano que vem.
MixBrasil

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