sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Nesta seção, discutiremos a construção discursiva da sexualidade (homoerótica) e do gênero (masculino) na adolescência. Aquela se inicia nos primeiros anos de vida, por isso, antes de tratarmos da adolescência, faremos uma breve discussão teórica sobre a infância. Geralmente, a orientação sexual, o sexo pelo qual sentiremos amor e desejo, manifesta-se durante a infância, e a identidade sexual (assumir uma orientação, no caso desta pesquisa, a homoerótica) inicia-se antes da adolescência e passa a ser construída e tomar forma a partir da adolescência até a fase adulta.
Antes da homossexualidade* se desenvolver, a criança começa a ter a consciência do gênero desde os dois anos, quando vê que pertence a um sexo e não a outro e, conseqüentemente, isso traz uma série de condutas. A partir dos três anos, a criança já se identifica como menino ou menina; pode acontecer de um menino se sentir mais identificado com as meninas e desenvolver as condutas e preferências que são associados somente ao sexo oposto, como brincar de boneca (Castañeda, 2007).
Muitos sujeitos homoeroticamente inclinados contam que se identificaram muito cedo com o sexo oposto, como relata Green (1985, p. 339): “Todos os homossexuais que atendi contaram que se sentiam diferentes de seus pares a partir dos três anos de idade. Descreveram que eram mais sensíveis e mais chorões e por serem diferentes se sentiam estranhos.”
De acordo com Castañeda (2007), no final da infância e início da puberdade, momento em que começa a se definir a orientação sexual, os pré-adolescentes são bombardeados, na socialização formal e informal, com imagens e mensagens do casal heterossexual. O menino e a menina com desejos afetivo-sexuais predominantemente voltados para o mesmo sexo biológico sentem-se perdidos e oprimidos neste mundo que rotula sentimentos mais íntimos e profundos com palavras insultuosas: descaração, sem-vergonhice ou pouca vergonha, frescura, pecado mortal, dentre outras.
Essas condutas e atitudes consideradas femininas e que são exercidas por meninos são reprovadas pela sociedade, pois há papéis definidos e impostos para cada gênero. O adolescente efeminado pode passar a construir a sua homossexualidade durante a sua adolescência, passando a sofrer preconceito desde a sua infância, no entanto esse momento que o menino teve condutas consideradas femininas não pode ser usado como um signo precursor do homoerotismo (Castañeda, 2007).
O período em que o adolescente vai descobrindo a sua homossexualidade é marcado por vivências em que os meninos efeminados são alvos de chacota e são estigmatizados desde a infância.
Na adolescência, os sentimentos podem estar confusos e a admiração que se tem por colegas do mesmo sexo pode se confundir com atração física. Mas, conforme explicita Gewandsznajder (2004, p. 78), não se deve ir rotulando os outros em decorrência disso. Melhor do que ficar se preocupando com rótulos é desenvolver a auto-estima e o respeito por si mesmo. Só assim todas as relações, do presente e do futuro, independentemente de serem amizades ou algo mais, vão ter a dignidade que todo mundo merece.
Para Abramovay (2004, p. 278), no período da adolescência, o indivíduo convive sociopsicologicamente com vários desafios relacionados ao que ele é ou o que pode chegar a ser. A adolescência constitui um período de dúvidas em que o processo de firmar uma identidade envolve inúmeros conflitos: desde a despedida da infância, passando pela descoberta das mudanças do corpo e da dimensão emocional, até a escolha do caminho para a vida adulta, tudo isso acontecendo ao mesmo tempo.
O início da adolescência é marcado pela procura por afeto e amor. Os adolescentes “começam a se envolver com os significados/discursos do amor, do afeto e do sexo” (Moita Lopes, 2002, p. 98). O adolescente passa a ter desejos sexauis, comumente, por alguém do sexo oposto. Porém, podem acontecer manifestações sexuais entre pessoas do mesmo sexo que também estão se descobrindo. Muitos adolescentes experimentam o contato sexual com uma pessoa do mesmo sexo, sem que esse ato implique uma orientação pelo homoerotismo. Apesar de estar cada vez mais presente no discurso social, o homoerotismo ainda acarreta grande impacto e restrições.
De acordo com Castañeda (2007, p. 89), na fase da adolescência “os jogos sexuais são muito freqüentes, sendo atividades comuns (...) fazendo parte da iniciação da sexualidade”. Nesse processo de exploração é que o adolescente começa a se identificar como homoerótico, podendo se manifestar logo ao se sentir independente e mais seguro em relação à sua orientação sexual. Outros não se revelam jamais por estarem inseguros de sua inclinação e ainda não terem apoio de amigos e/ou família. Vejamos a seguir como se dá a construção dessa identidade na rede de relações sociais.
Adolescentes masculinos que se encontram no processo de descoberta de seus desejos homoeróticos e que estão construindo uma identidade pessoal relativa a essas descobertas e à participação em momentos sociais assumem algum grau de familiaridade com a linguagem e as práticas culturais homoeróticas. Na ausência de tal informação, o significado se torna dependente de um contexto específico (ao invés de pré-discursivo), de negociação e de inferência e de uma dupla subjetividade (baseado no ouvinte e no orador), e de alguma forma em condição de risco. Esta ausência de informação foi denominada por Lead (1996, p. 266) de “discurso silencioso”.
Na construção do discurso silencioso, encontram-se as tentativas de suicídio de adolescentes que lutam para colocar um fim em seu homoerotismo. Ao se reportarem a sua adolescência, os homens homoeróticos se referem a um período de solidão e isolamento, segundo Lead (1996, p. 266), ou, ainda, como um tempo de compreensão de sentimentos, recentemente descobertos, de emoções e de interesses, ao reunirem informações que os ajudaram a compreender melhor essas descobertas.
A orientação homoerótica como uma identidade culturalmente existente pode ser avaliada pelo grau de aderência do orador às máximas, comunicando sua sexualidade. Revelar-se pressupõe que a audiência se subscreve ao modelo normativo de gênero e sexualidade e que o modo mais efetivo para desalojar a pressuposição heterossexual insinua que os dois modelos de gênero citados não são compartilhados pelo orador.
Lead (1996) reafirma que gays, termo usado pelo autor, que passam como heterossexuais apresentam uma identidade que é dissonante com a forma com a qual eles na verdade experimentam ser. Identidades declaradas e implicadas são um resultado de decisões lingüísticas modificadas no curso de uma interação, na qual a contribuição de cada indivíduo reflete a intenção tanto do indivíduo quanto dos constrangimentos sociais locais e globais. Este processo de negociação entre indivíduos, intenções e forças culturais ilustra a conexão íntima entre linguagem e identidade existente.
Assim, a adolescência é o período da vida dos jovens cujas práticas discursivas relacionam-se com a construção da identidade social. Segundo Erickson (1962, p. 13), a adolescência é “considerada um momento na vida quando as pessoas estão envolvidas na construção de um sentido coerente de quem são no mundo social, sendo então um processo crucial para detectar os discursos de construção da identidade em desenvolvimento”. Nas palavras de Erickson (1962, p. 14), “o adolescente deve perceber uma semelhança significativa entre o que ele vê em si mesmo e o que sua consciência aguçada indica que os outros julgam ou esperam que ele seja”. Desta forma, o termo adolescência é usado para descrever tanto as mudanças físicas da puberdade como os aspectos psicológicos e sociais que caracterizam essa etapa da vida.
Do ponto de vista individual, cada adolescente constrói o seu homoerotismo sem seguir um modelo, pois há uma infinidade de formas que podem assumir as relações entre homens e mulheres e também variam segundo lugares e épocas históricas. Não há uma seqüência lógica de práticas sexuais do sujeito homoerótico. Geralmente, poderíamos afirmar que o homoerotismo na adolescência se desenvolve primeiramente a partir das experiências ou práticas sexuais e, depois, há uma consciência do homoerotismo. Muitas vezes os homens são iniciados no homoerotismo por práticas sexuais que lhes são impostas na infância ou adolescência. Ao tomar a consciência de seu desejo, o adolescente pode assumir o seu homerotismo para si próprio e para a sociedade. Então, há primeiramente uma junção de práticas, sentimentos e desejos; depois, um processo em que o adolescente aceita o seu homoerotismo para si mesmo, e depois diante da sociedade, diferentemente do que ocorre com o heterossexual.
A fase de desenvolvimento da homossexualidade na adolescência é muito diferente da heterossexualidade. Na vida dos heterossexuais, as relações amorosas progridem em etapas mais ou menos previsíveis e cada uma delas prepara, de alguma forma, a seguinte. Com os adolescentes homoeróticos, as experiências amorosas, muitas vezes, podem ser construídas num processo silencioso. O menino pode estar apaixonado por outro sem nunca se expressar e nem consumar os seus sentimentos. Ele se constrói num processo silencioso (Castañeda, 2007), da qual a família nem sempre participa.
A identidade homossexual é primeiramente construída durante a adolescência, quando os jovens vão desenvolver e estabelecer uma identidade social independente da família. Esse desenvolvimento para os heterossexuais é facilitado pela sociedade. As escolas, as festas e a cultura em geral encaminham o adolescente a desenvolver características e comportamentos para um futuro como heterossexual (Castañeda, idem). Para o adolescente homossexual, tudo é diferente. Aos poucos, descobre que os seus desejos sexuais não se parecem com aqueles dos seus colegas, e as fantasias eróticas não correspondem com o que vê na televisão e no dia-a-dia (Castañeda, idem).
No momento em que o adolescente passa a descobrir esses contrastes, produzem-se várias situações que podem determinar o curso de toda a sua vida. No início, sente-se como diferente, de forma que nota que é visto como ilícito, por causa dos comentários e “brincadeiras” que escuta em relação ao homoerostismo. Segundo Castañeda (idem, p. 85), “essas falas, aliás, são freqüentes: 97% dos estudantes do ensino fundamental e/ou do ensino médio americanos contam que ouvem regularmente comentários homofóbicos.”
Dessa forma, o adolescente homossexual identifica-se menos com seus colegas e não participa mais do grupo. Vê que não é igual aos outros e tem desejos e objetivos amorosos que não correspondem aos dos seus amigos (Castañeda, idem).
Aos poucos, sabe que não pode compartilhar o que se passa com os outros e começa a se sentir só e, às vezes, excluído da sociedade. Sente muitas vezes vergonha de ser homossexual e isso acaba afetando a sua auto-estima e a sua relação com o mundo (Castañeda, idem).
Para os familiares e os colegas, o sujeito homossexual é uma pessoa que não teve relações com o sexo oposto; se as tivesse tido, ele não seria homossexual. Ou, ainda, acredita-se que os homossexuais têm pavor do sexo oposto. Na verdade, muitos homossexuais, homens e mulheres, fizeram esforço para ter experiências heterossexuais – seja para experimentá-las, seja para negar sua homossexualidade. Esse tipo de atitude é mais comum do que se imagina e faz parte da construção da identidade gay (Castañeda, idem).
Quando o adolescente toma consciência da sua homossexualidade, passa por um processo que não é simples; e é ainda mais complexo pela dificuldade que todos os adolescentes têm de entender e expressar claramente seus sentimentos. A verbalização não é um ponto forte entre os jovens, e menos ainda quando a cultura de seu meio não lhes oferece o vocabulário necessário e a sociedade censura a expressão de certos desejos e sentimentos. Essa primeira fase na construção da identidade homossexual é, portanto, cheia de dúvidas, de solidão, de confusão e muitas vezes de vergonha.
E numa segunda fase, o jovem homossexual consegue enfim nomear o que sente; começa a reconhecer a possibilidade de que seus sentimentos, desejos e fantasias sejam homossexuais. Começa a explorar essa idéia e a compartilhá-la, talvez, com um confidente.
*O termo homossexual será usado quando abordarmos os autores que adotam este termo em suas pesquisas.

Izaac Azevedo dos Santos
Mestre em Letras pela PUC-Rio

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